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ADVENTO – QUANDO IMBECIS APLAUDEM O OPRESSOR



Sereis perseguidos por causa do nome… (Marcos 13.1-8)


ADVENTO – O POVO IMBECIL APLAUDE SEUS OPRESSORES

Uma obra de arte é sempre maior que seu intérprete, já ouvimos isso. Ouvimos, também, que a obra de um bom autor é melhor que o melhor artigo escrito por qualquer crítico literário. Carlos Mesters diz que o assunto “apocalipsismo” merece essa analogia: os escritos são mais importantes que seus intérpretes. Agrada a ideia de Mircea Eliade: “Monstros e fenômenos sísmicos e climáticos povoam o passado mitológico da humanidade, onde elementos cósmicos catastróficos são evocados em situações extremamente críticas, através de uma linguagem reveladora, como a desorganização cósmica, universal, onde o poder sagrado se oculta”. O mundo entra em pânico. Nos mitos, uma forma de castigo — como o retorno ao caos (“khaos”) – vem sobre o universo, enquanto se identificam forças naturais descontroladas operando contra a vida humana. Enchentes, nevascas, tsunamis, terremotos, transformam também a geografia social do mundo.

Toda a precariedade da idolatria, ou do culto idolátrico, manifesta-se em tempos de desgraça (Claus Westermann). Os ídolos, como também a própria Lei, impõem pesadas cargas, necessitam de “bestas”, imagens simbólicas que comportam e transportam o peso insuportável da opressão. Uma analogia é construída sobre a incrível debilidade dos mesmos ídolos, diante de um Deus que é independente dos estatutos religiosos: o Deus de Jesus é diferente, é ele quem carrega as cargas impostas sobre seu povo, e as transportará até o fim (cf. Isaías 46.1-4). A história se resolve ao pé da letra? É certo que, ante a tirania, de um ou de todos os homens (da sociedade, da nação autoritária, totalitária, fascista), em qualquer seguimento social ou político, em qualquer religião, existirá o chamado “apocalíptico” onde Deus revelará como se deverá resistir.
É assim, sob incompreensão e perseguição, que a história transformará a vida humana e se estabelecerá de uma vez por todas como modelo (logotipos), “imagem”, do Reino de Deus. A imagem “apocalíptico-religiosa” de Deus — para se fugir do Deus horroroso, apocalíptico-literalista, fundamentalista, cruel, insensível, implacável, sem misericórdia e compaixão pelos homens – não combina com a salvação, o perdão e a reconciliação da humanidade, que constitui com exatidão o conceito apocalíptico bíblico, no Antigo e Novo Testamento: “Homens e mulheres do mundo inteiro se agarram a Deus através dos abismos profundos do sofrimento moral sob poderes, sistemas de pensar autoritários, concretos, em razão das injustiças que esses poderes geram e alimentam” (leio: A peste, A.Camus).

O universo inteiro está sob o juízo de Deus. É preciso observar os sinais dos tempos… Esta é a resposta apocalíptica, ela é reveladora do que vem no bojo da conjuntura política mundial, dominada por forças culturais poderosas (como o capitalismo, o fascismo e quaisquer ideologias totalitárias, em nome de falsas democracias): Deus intervirá na história “por nós”, nunca “contra nós”. É a mensagem de Marcos, em seu apocalipse particular.

Podemos pensar no Advento, o início do ciclo anual. O anúncio é escatológico (ad-ventum), refere-se aos últimos dias de uma era, enquanto passado, presente e futuro se entrelaçam com surpreendente harmonia: é necessário voltar os olhos para futuro glorioso e a dinâmica que se espera na instalação definitiva do Reino de Deus. A humanidade oprimida, que se reconhece como tal, enquanto isso, espera os acontecimentos orientadores da esperança. A Morte, a Ressurreição e a Exaltação do Cristo de Deus serão devidamente assimiladas no caminho da vida, e a comunhão dos santos – propósito e finalidade da Igreja de Deus, na memória reavivada que o Calendário Cristão aponta em seu alcance e destino último. O Advento não se orienta para satisfazer a insanidade do povo, nem serve para justificar os poderes da opressão. O Advento nos orienta para o reinado de Deus de forma definitiva. A salvação, enquanto isso, deve ser celebrada pela grande comunidade de fé (sugere o Calendário do Advento), na busca irrevogável das bandeiras da Justiça, do Direito, da Dignidade, da Igualdade para todos os homens e mulheres da Terra, no gozo de uma nova humanidade em Jesus Cristo, o Salvador.

Derval Dasilio


https://dervaldasilio.wordpress.com/2017/11/11/advento-imbecis-aplaudem-opressor/

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