LIBERDADE PARA OS CATIVOS
Rev. Derval Dasilio(*)
Meditando sobre os sentidos sugeridos no Evangelho de Lucas (4.16ss),
pode ser bom lembrar uma vez mais: Jesus está longe do legalismo “bíblico”, da
beneficência e do assistencialismo, ao apontar situações concretas alcançadas
por dois termos: “davar” (דָּבָר) e “euangelion”
(ευαγγελιον) – palavra e evangelho,
no hebraico e grego bíblicos, respectivamente. Não se trata de “fazer caridade”
aos pobres, mas de inaugurar a ordem nova integral regida pelas “políticas” do
Reino de Deus: justiça, igualitarismo nos bens culturais, sociais e econômicos;
fazer irromper e promover a única ordem em que se permite falar de uma
libertação real.
É importante levar em conta que, muitas vezes, quando se fala de uma
“opção preferencial pelos pobres”, se está, claramente, combatendo uma
mentalidade originada entre bem-postos, como forma de alívio de consciências
culpadas porque suas riquezas não são compartilhadas.
Como um lastro que se atira fora para facilitar a velocidade da nave
econômica injusta e sem distribuição igualitária, a mentalidade assistencial,
tida como sobra ou esmola dos socialmente mais bem posicionados (e não é
preciso discutir aqui sobre a ética [ethos] nos meios para se alcançar
riqueza), está muito distante do espírito de Lucas (4.14ss). A palavra
evangelizadora ou é ativa e prática, na prática da libertação, ou é antievangelizadora.
A palavra evangelizadora não é palavra de uma teoria abstrata. É uma palavra
que faz referencia à realidade — política, econômica, jurídica, social — e a confronta
com o projeto libertador de Jesus Cristo (fazer irromper o Reino de Deus e a
sua Justiça, segundo a Palavra do Espírito de Deus).
“Evangelizar é libertar a Palavra” (Nolan). A raiz hebraica do termo
(“davar”) diz: “Palavra é o que Deus faz concretamente para transformar a
injustiça em Justiça”. Evangelizar é permitir e criar meios para a ação de
Deus. Uma palavra que não entra na história dos sofrimentos humanos, das
escravidões e das opressões; que não se pronuncia contra as indignidades
impostas ao ser humano; que se mantém acima da história humana, ou nas nuvens,
ou não mobiliza, não sacode e não provoca reações ao mal cultural, social; uma
palavra que não suscita solidariedade aos mais fracos e oprimidos (e paradoxalmente:
que não suscita adversários), não é herdeira da “paixão” do Filho de Deus pela
Palavra.
Disse Jesus: “O Espírito do Senhor me enviou, fui ungido para trazer a
Palavra, a libertação aos cativos” (Lucas 4.14ss).
(*) Rev. Derval é pastor e teólogo reformado. Ele colabora como analista
de Calendário Litúrgico – Liturgia Reformada no Facebook.
Imagem: autoria desconhecida.
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